A Oração Contínua

O encontro com Deus não se realiza apenas quando me coloco conscientemente diante de Deus, mas deve tornar-se uma atitude fundamental do homem. A tradição do monaquismo fala de uma oração contínua ou da oração incessante. O alvo do monarquismo consiste em viver sempre na presença de Deus. Rezar sem cessar e assim viver constantemente do encontro com Deus - Eu vivo sempre diante dEle, diante de seu olhar benevolente e amante. O encontro com Deus marca toda a minha vida, meu trabalhar e descansar, eu pensar e sentir, meu falar e silenciar. Nunca vivo sem um relacionamento, porém o meu relacionamento é continuamente com Deus. Com isso não preciso pensar sempre e explicitamente em Deus; esse encontro é o pano de fundo sobre o qual vivo; é como a atmosfera na qual me movimento. Foi o que disse São Paulo em seu discurso no Areópago: “Nele nós nos movemos e somos”.

Os monges elaboraram métodos que nos podem ajudar a vivermos sempre e em toda parte esse encontro com Deus. É a oração interior, que está sempre em nós e nunca nos pode ser tirada. Mas para chegar a esta oração interior, preciso fazer uma longa caminhada de exercícios. Para os monges, este caminho de exercícios consistia na oração de uma só palavra, na ruminatio, no ruminar sempre o mesmo versículo de um salmo, ou na Oração de Jesus. A oração de Jesus tornou-se, sobretudo na Igreja do Oriente, o próprio caminho da meditação. Mas também no mundo ocidental tornou-se hoje muito querido esse caminho, e veio a ser, para muitos, a forma concreta da Oração Contínua.

Consiste na repetição incessante da fórmula “Senhor Jesus Cristo, filho de Deus, tem piedade de mim”. Esta fórmula pode também ser abreviada, de acordo com o ritmo da respiração de cada um. Sim, a oração de Jesus pode ainda ser reduzida unicamente ao Nome de Jesus, associado, nesse caso, à expiração.

Na Oração de Jesus, os monges veem o resumo de todo o Evangelho. Provém do episódio da cura de Bartimeo (Mc 10, 47), onde Bartimeo pede a cura de sua cegueira: “Jesus, tem piedade de mim! ”; e em Lc 18, 13, onde o publicano coloca-se humildemente diante de Deus e reza apenas: “Senhor, tende piedade de mim, pecador”. Deste modo, duas atitudes básicas são expressas nesta oração: primeiramente o pedido de cura. Todos nós trazemos feridas conosco. Na oração, pedimos a Deus que cure nossas feridas. Estamos, muitas vezes, cegos. Não queremos ver a realidade tal qual ela é. Fechamos os olhos diante da realidade de nossa vida e diante da realidade dos nossos demais irmãos do mundo todo. Na oração de Jesus pedimos a Deus que Ele abra nossos olhos para conseguirmos a coragem de olhar para nós mesmos e para a nossa vida. A oração de Jesus nos comunica uma nova maneira de ver. Passamos a ver tudo à luz de Deus e em toda a parte olhamos com os olhos de Deus. Muitas vezes isso é muito difícil para nós: enfrentarmos a realidade, termos coragem para olhar abertamente a realidade. Não precisamos ter medo dela, pois sabemos que Cristo está conosco e nos revela a verdade sobre o mundo. Podemos olhar este mundo sem rodeios, porque nele encontramos Deus em toda parte.

A segunda atitude básica é a humildade do publicano que não confia em si mesmo e em suas realizações e sim na misericórdia de Deus. É a firme confiança de que Ele nos aceita assim como somos. Quando, sempre de novo, rezo: “Jesus Cristo, tende piedade de mim”, isto é menos um insistente pedido de misericórdia do que um reconhecimento grato por esta misericórdia, um agradecimento ao Deus misericordioso. Com o tempo, isto nos leva a uma paz interior muito profunda, a uma alegria serena por causa dAquele diante do qual eu posso estar assim como sou, fraco e pecador. E assim, tornar-me-ei, aos poucos, mais misericordioso comigo mesmo. Não me abato mais tanto com auto repreensões quando cometo um erro, mas entrego-me à misericórdia de Deus. Assim posso reconciliar-me com Ele. E torno-me mais misericordioso para com os outros, meus irmãos. Quando, numa confidência, um julgamento sobre o outro quer escapar de meus lábios, então a oração de Jesus ajuda-me a assumir uma atitude misericordiosa para com ele. Assim torno-me mais justo em relação ao seu ser que até então via apenas através dos óculos das minhas projeções.

A atitude fundamental da Oração de Jesus não é a de um apedido suplicante, para que Cristo tenha piedade de mim, porque sou tão mau. É antes uma atitude otimista e cheia de confiança, pois reconheço no Nome de Jesus o mistério da Encarnação. Este Jesus Cristo é o Filho de Deus, nele habita no meio de nós a plenitude da divindade (Col 2,9). E, além disso, expresso o meu relacionamento pessoal com Jesus Cristo, pelo chamado: “Tem piedade de mim! ”.

A palavra grega eleison tem a mesma raiz que elaion = óleo, e pede assim que Deus derrame sobre nós a plenitude de sua graça. Para os russos, a Oração de Jesus tem o caráter de ternura e de amor. As palavras eslavas milos e pomiluy tem a mesma raiz que a expressão usada para ternura, carinho. Assim, pedimos na Oração de Jesus, o seu amor e expressamos ao mesmo tempo o nosso amor e anseio por Deus. Por isso é uma oração de intimidade, um chamado terno por Aquele que me ama, e é expressão de certeza de que em Jesus Cristo o próprio amor de Deus foi derramado em nossos corações. A Oração de Jesus respira a confiança de que este Jesus Cristo está em mim. Não é aquele que viveu num passado longínquo, mas Ele está em mim. Os monges dão o conselho de, ao inspirar, deixar o hálito passar para o próprio coração e, na respiração, sentir que o próprio Cristo está em mim. No calor que o hálito produz no coração, posso experimentar sua presença amorosa e misericordiosa. O sentir do hálito no coração alivia a mente, que normalmente é perturbada com a torrente de pensamentos. No coração, que se aquece pelo hálito, podemos repousar em Cristo Jesus. Nós não o encontramos apenas por um momento, mas permanecemos no encontro. Assim, a Oração de Jesus ajuda-nos a permanecer sempre no encontro com Jesus Cristo e dEle viver, tudo relacionando a Ele. Meu coração é tocado por Cristo; sinto seu calor em mim. Assim como o amante sente vivo o amado em seu coração e passa a viver diferentemente o seu dia a dia, assim a Oração de Jesus produz em nós uma atmosfera de amor, de misericórdia, de benevolência, na qual nos sentimos felizes. O espaço no qual vivemos não é de frio e solidão, mas um espaço habitado por Jesus Cristo, um espaço repleto de sua presença amorosa e curativa em que respiramos sua terna intimidade. Neste espaço, vivo sempre do encontro com Jesus Cristo. O encontro torna-se, aos poucos, eficaz e marca também os meus trabalhos. A oração de Jesus lembra-me sempre esse encontro na oração e o desperta sempre.  Em tudo o que faço e penso, refiro-me a Jesus Cristo; estou ligado a Ele; estou “em casa”. Viver assim a sua vida se desfaz. Eles não descobrem o verdadeiro “eu”. Só em relação ao outro vivo a minha própria vida. Só na referência a um outro eu penetro no meu próprio âmago. Ao inspirar, podemos deixar que Jesus penetre todo o nosso corpo, ao mesmo tempo que a coluna de ar. A inspiração vai em direção à base dos pulmões, inflando o ventre pelo movimento do diafragma. Permitimos nesse momento que o Espírito misericordioso de Jesus penetre todos os nossos sentimentos, que são julgados a ter a sua sede nos nossos órgãos interiores: aborrecimentos, decepção, raiva e amargura. Também em nossos instintos, que para os gregos eram a parte buliçosa do homem, localizados no abdome. Quando o Espírito de Jesus penetra toda a nossa estrutura física e espiritual, então somos reconciliados com toda essa realidade. Aqui, a Oração de Jesus pode encher-nos cada vez mais de misericórdia e bondade em relação a nós mesmos e a todos os homens.

Depois da expiração há um breve momento, no qual não inspiramos nem expiramos. Este momento é muito importante para os mestres de meditação. Aí se demonstra se eu me abandono realmente, entregando-me a Deus ou se permaneço apegado a mim mesmo. Se não suporto esse momento e quero imediatamente recomeçar a inspirar, é sinal de que não me deixo permanecer em Deus. Este momento exige um silenciar absoluto, no qual nos deixamos, por assim dizer, cair nos braços de Deus e nisso pressentimos algo do caráter de doação de toda a nossa existência. As palavras, diz Isaac de Nínive, leva-nos para dentro do mistério silencioso de Deus. Nós nos deixamos levar por ela ao espaço que está pleno somente de Deus. Este espaço, porém, não é apenas um espaço divino, de qualquer natureza. Está repleto do Pai de Jesus Cristo, da misericórdia e da bondade do próprio Deus de Jesus. Para mim, a Oração de Jesus é um bom caminho para chegar a viver o encontro contínuo com Jesus e, por Ele, viver com o Pai. É uma palavra íntima, que se expressa por si mesma, mesmo que eu não a exercite conscientemente. Ela me faz sentir-se em casa, e me leva, sempre de novo, da distração para aquilo que é o mais importante: leva-me ao Pai de Jesus Cristo. E me dá a certeza de que Jesus Cristo mesmo está em mim e caminha comigo. Este encontro comunica um outro gosto a toda a minha vida. Ela coloca em tudo o que faço algo da misericórdia amante de Deus. Ela faz com que a vida toda se torne uma oração contínua, um encontro com Deus em meu coração. A oração contínua simplifica-se de uma vez, como tão belamente dia: “Consegue-se aquela oração da qual não se pode nem dizer: ‘eu rezo’, porque ela nos prendeu totalmente e nos inundou, então não há mais diferença entre coração e oração. De agora em diante é o Espírito que reza incessantemente em nós e nos conduz cada vez mais profundamente para dentro de seu orar. Quanto mais a gente é arrastada por este fluxo, mais claramente se vê que esta oração não é mais nossa; ela se tornou, por assim dizer, independente” (Louf pág. 147).

Isaac, o Sírio, diz: “O ápice de toda a ascese é a oração incessante. Quem a alcançou, instalou-se, com isso, na estabilidade espiritual. Quando Deus estabeleceu morada em uma pessoa, esta não pode mais cessar de orar, pois o Espírito ora continuamente nela. Pode dormir ou estar acordada, a oração está sempre operando. Pode comer ou beber, descansar ou trabalhar, o incenso da oração sobe como por sua conta própria. Sua oração não está mais ligada a algum tempo determinado: torna-se ininterrupta. Mesmo durante o sono, a oração prossegue, pois o silêncio, numa pessoa libertada, já é, em si mesmo, oração. Seus pensamentos são inspirados por Deus. O próprio movimento do seu coração é como uma voz que, silenciosa e intimamente, canta para o Invisível.

A oração contínua leva a uma vida constante de encontro com Jesus Cristo. Ao dizer o nome de Jesus, Ele mesmo vem ao nosso coração e faz dele sua morada. Assim escreveu Hesichio de Batos, um autor da Idade Média: “A invocação constante do nome de Jesus, ligada a um desejo ardente por Ele e cheia da alegria que dEle provém, enche de felicidade a atmosfera do nosso coração... A lembrança de Jesus e a invocação ininterrupta de Seu Nome produzem algo de um ar divino em nossa mente” (A. Louf, pág. 152) a Oração de Jesus desperta em mim forças que antes estavam enterradas sob o peso do meu trabalho, das minhas preocupações. Ela relaciona tudo o que há em mim, com Jesus Cristo, com Aquele que me ama e que tem um coração para mim; um coração que não condena e sim que perdoa.

O alvo da minha caminhada espiritual é: viver sempre nesse relacionamento amoroso e ser curado e plenificado por ele. Nesta relação, nada em mim fica supresso ou excluído; tudo é considerado e relacionado com Deus.

São Bento tem diante de seus olhos esta vida constante de encontro com Deus, quando escreve: (O primeiro grau da humildade consiste em o monge ter sempre a Deus diante dos olhos, fugindo a todo esquecimento. Considere-se o homem visto do céu, a todo o momento, por Deus e suas ações vistas, em toda parte, pelo olhar da divindade e anunciadas a todo instante pelos anjos” (RB 7).

Vida espiritual é, para São Bento, vida na Presença de Deus, que me olha amorosa e benevolentemente, mas também examinando e avaliando. Só neste olhar de Deus eu me encontro a mim mesmo; então a minha vida recebe um outro sentido. Aí experimento que minha vida é uma resposta contínua a Deus que me olha e me fala. Não vivo em qualquer espaço, sem relacionamento, mas vivo diante do olhar de Deus amante e misericordioso. Isso significa a oração contínua. Não é um resultado espiritual e sim um experimentar a vida pelo encontro. A alternativa dessa vida no encontro é a vida na distração. Esta é a tentação constante para os monges: furtar-se ao encontro, ao relacionamento com Deus e retirar-se aos quartos individuais de suas fantasias, onde se pode passear sem constrangimento e sonhar com suas ilusões.

A vida de encontro, porém, deve ser exercitada bem concretamente. Não nos será colocada pronta em nossas mãos. Os monges exercitam-na rezando a Oração de Jesus, sempre e em toda parte. Mas para rezá-la sempre, é preciso rezá-la em determinadas horas do dia. Posso uni-la a determinadas atividades. Por exemplo: quando acordo de manhã, devo dizer conscientemente a Oração de Jesus. Quando saio de casa, quando caminho para o trabalho, quando entro numa casa, quando me encontro com as pessoas, quando ouço o som do relógio, quando o telefone oca, em toda ocasião eu poderia dizer a Oração de Jesus.

As coisas externas seriam para mim sinais para me lembrar, de modo que, com o tempo, fazem surgir espontaneamente em mim a Oração de Jesus. Quando as coisas exteriores me lembram, assim, a presença de Jesus que tem piedade de mim, então minha vida torna-se diferente. Não é mais impregnada pelos acontecimentos externos, porém, em tudo encontro Jesus Cristo, em toda parte e em tudo o que acontece, vivo de encontro com Cristo, encontro também os homens e as situações da minha vida de cada dia de uma maneira nova. Não são os acontecimentos externos que determinam como vou me sentir, e sim Jesus Cristo, que encontro em tudo. A proximidade de pessoas indiscretas ou de problemas. E eu posso dar-lhes o lugar de que precisam. Não me deixo sufocar por eles, mas vou ao seu encontro com uma certa distância, porque vivo em toda parte do encontro com Cristo e os acontecimentos não podem mais dominar-me. Assim acontece também com as pessoas que se amam. Porque sabem de seu amor, porque vivem do encontro amoroso, não se deixam mais determinar pelos acontecimentos do dia. São determinados pelo amor. Assim o encontro com Cristo quer impregnar toda a nossa vida e transformá-la. Tudo deve ter o gosto da misericórdia e da bondade de Deus. O encontro com Cristo e com o Pai de jesus Cristo desperta em nós a vida verdadeira, torna-nos em tudo mais vivos e nos dá realmente a vida em redor de nós: uma vida de mansidão, no amor e na alegria. Não somos nós que nos devemos transformar, mas o encontro com Deus nos transforma e nos leva, assim, unicamente para o nosso verdadeiro Eu.